Jejum de celular

 

Com a chegada da pandemia, muita coisa mudou, mas nada tão radical quanto a rotina do domingo aqui em casa. Como estamos todos envolvidos no serviço da igreja, foi uma grande mudança de repente não ter de fazer escalas e se preocupar com os arranjos que as reuniões presenciais ordinárias demandavam.

Os cultos passaram a ser transmitidos pelo YouTube e boa parte do que antes era um serviço de recepção e controle não existe mais. Contudo, a Igreja Presbiteriana do Brasil, muito antes de alguns políticos aproveitadores, lançou uma campanha de jejum aos domingos, para que pudéssemos orar a Deus pela adversidade que agora tão de perto nos assola.

Começamos então o jejum da comida, mantendo a água. Nunca havia passado por essa experiência, exceto quando precisava tirar sangue. Pensava que seria muito sofrido, mas não é. O jejum traz benefícios fisiológicos e espirituais que podem ser explicados, mas que só quem faz entende. Existe algo de alentador em não precisar comer por pelo menos 12 horas.

Uma vez estabelecidas as práticas do jejum, do culto transmitido e da oração, resolvi adicionar mais um elemento à privação: a tecnologia. Foi e continua sendo a parte mais difícil. Sinto mais falta do telefone que do café da manhã, e olho muito mais pra minha mesa do que pra geladeira.

Mas uma coisa é fato: consigo descansar. O jejum de comida oferece não somente a privação, mas também o descanso da mente. Não precisamos nos preocupar com o que comer durante um período do dia. Da mesma forma, o jejum de celular traz a possibilidade de descansar o coração, sem preocupação, sem telefone grudado no bolso ou ao alcance da mão.

Assim, posso ver o tempo passar. Posso prestar atenção ao pensamento e só contemplar a torrente de memórias e associações que ficam passando sem parar. O jejum solta as correntes a que eu me prendo a semana toda, com medo de que o trem da vida passe e me deixe pra trás.

Por metade do dia não preciso me preocupar com nenhuma notificação, exceto as de emergência. Dadas as circunstâncias e os papeis que assumimos, o celular fica no modo “não perturbe”, não desligado. Assim, se o telefone nunca toca, posso ficar tranquilo sabendo que tudo está em paz e que não sou necessário naquele momento. Posso não fazer nada.

É algo, inclusive, que há um tempo eu achava desperdício. Com o amadurecimento, porém, percebi que é um grande privilégio. Descobri também que, depois do tédio, a maior tentação é dormir, e essa é complicada. Porém, à medida que fui me acostumando, pude ver a beleza da contemplação, que inevitavelmente leva à oração. E tudo bem também se rolar um cochilo à tarde: é domingo.

Esse tipo de jejum também é uma oportunidade de derrubar o ídolo da tecnologia. Tenho a chance de esclarecer as coisas e dizer realmente quem é que manda. A falta que sinto do celular e do computador nesse tempo é um lembrete de que são apenas ferramentas, nada mais, que devem ser colocadas em seu devido lugar de tempos em tempos, tanto no quarto quanto no coração.

A dependência que crio de tudo que não é Deus nem sempre é facilmente identificável. O coração é uma fábrica de ídolos, instável e movediço, e por isso precisamos retornar ao Senhor para que ele acerte nossos ponteiros e nos faça voltar ao caminho e ao ritmo que fomos chamados a seguir.

Não sei até quando o jejum continua, mas já tirei muitas valiosas lições dessa experiência, coisas que provavelmente nunca colocaria em prática se a vida só seguisse o curso natural. Em tempos de adversidade, os cuidados com o corpo e com o espírito andam juntos e, às vezes, tomam a forma de privação para mostrar que há descanso na limitação.

Mesmo quando os problemas parecem não ter solução, podemos descansar em Deus, sabendo que Ele cuida de tudo e que, por Sua providência, trará a saída no tempo certo. Chegada a bonança, poderemos celebrar com uma refeição farta e, pra quem quiser, um post nas redes sociais.

Uma resposta to “Jejum de celular”

  1. Pedro Henrique Marques Says:

    Excelente prática, domingo é o dia do Senhor.

    Precisamos abdicar de nossos interesses temporais e desfrutar de um dia de descanso e dedicação exclusiva no Senhor.

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