Método infalível

agosto 6, 2020

Salsi Fufu! Pegadinha do Mallandro! Se você caiu, perdoe-me por te enganar com esse título obsceno. Só quero chamar atenção pra um problmea que acontece demais nas redes sociais.

Eu e minha irmã somos os patrulheiros do grupo da família. Já foi comum desmentirmos os poderes milagrosos do limão e os macetes do caixa eletrônico para evitar a clonagem do cartão de crédito.

Em tempos tão conturbados como os nossos, posso seguramente dizer que a vacina contra o Sars-Cov-2 sai antes de qualquer coisa minimamente capaz de diminuir as lorotas da internet. Isso porque as capacidades de inventar mentiras e de fazer outras pessoas acreditarem nelas são parte de nós desde que o mundo é mundo.

Com o crescimento do marketing digital, ficou em evidência a redação persuasiva, também conhecida como copywriting. Esse ramo da escrita, muito antes das pesquisas em psicologia e neurociência, explora incessantemente os gatilhos mentais, que são padrões de pensamento que surgem dependendo da situação que vivenciamos.

Porém, não é preciso entrar nos detalhes técnicos do copy para entender que a maioria das fake news amadoras utiliza uma fórmula batida e muito eficaz. Os títulos chamativos, a pintura da indignação e do medo e o pedido de compartilhamento para ajudar a frear a patifaria são coisas que já funcionaram e vão continar funcionando.

E eu gostaria de poder falar que esses embustes só funcionam com as tias do Zap, mas a verdade é que todo mundo está sujeito a ser enganado, ainda que não ao mesmo tempo. Eu mesmo acreditei no áudio do Mandetta, e depois desse episódio fiquei mais humilde em relação a isso.

O tratamento dessa fragilidade demanda uma postura mais lenta e responsável no compartilhamento da informação. Precisamos sempre checar a fonte daquilo que desejamos distribuir aos nossos contatos. Somos elos numa corrente que, se for mentira, pode se espalhar para mais gente e fazer um estrago maior.

Mas podemos frear as fake news com uma ferramenta simples e, melhor ainda, gratuita: uma pesquisa rápida na web. Esse pequeno passo antes de postar qualquer coisa pode ser a diferença entre perpetuar uma mentira e evitar que pessoas queridas sejam enganadas.

Claro, ainda assim podemos cair em farsas e golpes por aí. O lorotavírus é dificílimo de ser combatido, mas podemos, um a um, diminuir seus estragos no mundo real. Essa, sim, é a obrigação de todo cidadão de bem.

R$ 10 mil num celular?

agosto 5, 2020

Hoje o Galaxy Note 20 vai ser lançado e, além dos vazamentos, temos uma certeza: vai ser caro.

Considerando a cotação do dólar, dá para supor que os flagships, modelos topo de linha, vão ultrapassar a barreira dos 10 mil reais neste ano. Mas a pergunta que se impõe é: precisamos de um investimento tão alto?

Vários vídeos comparativos no YouTube demonstram que a maioria dos celulares intermediários hoje em dia são capazes de quase tudo que os mais potentes conseguem. Por quase tudo me refiro a tarefas do dia a dia, como ligar, mandar mensagens, tirar fotos razoáveis e utilizar ferramentas digitais (navegação, transporte, serviços de entrega e jogos).

Claro, os tops sempre terão seus diferenciais. Eles se destacam na qualidade da tela, na bateria, nos materiais mais nobres e mais resistentes, no desempenho mais fluido e, principalmente, nas câmeras mais poderosas.

Não estou atacando a diferenciação. É bom para o mercado que haja modelos que abranjam diversos tipos de consumidores, que possuem as mais variadas necessidades. A questão que levanto é se vale a pena investir tanto dinheiro num equipamento comum que provavelmente será trocado em menos de três anos.

O ciclo anual de renovação dos smartphones passa a impressão de que o telefone que temos hoje já está antigo, mesmo que o tenhamos comprado ontem. É legal acompanhar as novidades e ver as inovações, eu mesmo gosto muito disso. Mas há de se ter pé no chão, cabeça no lugar e saldo em ordem na conta bancária.

Nossos telefones, assim como nossos carros, não deveriam ser símbolos de status, mas as marcas sabem explorar nossa vaidade. Sempre haverá algo melhor e mais bonito, e, nesse contexto, a pergunta que nunca fica velha é: você é feliz com o que tem hoje?

5 livros para quem não quer pensar como todo mundo

julho 31, 2020

Hoje darei início a um novo tipo de post: o de recomendações de leitura. No meu Instagram já faço isso, mas creio que aqui seja um espaço válido também, considerando a liberdade de espaço que um blog tem comparado com o apertado feed da rede social de fotos.
Separei esses 5 livros hoje porque foram importantes na minha forma de pensar e analisar o mundo. Alguns eu já li há muito tempo, mas eles são tão copiados que sempre é possível relembrá-los.
Mesmo que eu coloque a ideia aqui, a graça de ler um bom livro é basicamente ter a oportunidade de esmiuçar o tema e gastar tempo com o autor. Assim, podemos digerir o assunto e observar com mais calma não somente o resultado pronto, mas também as bases que o possibilitaram, ainda que por vezes não concordemos com nada que ali está proposto.
Pois bem, aqui vão os 5 livros para quem não quer pensar como todo mundo, que não estão classificados em ordem de importância. Se quiser saber mais, basta clicar no título ou na imagem. Espero que você goste das indicações!

5) Subliminar

Esse livro explora o inconsciente e os mecanismos que estão sempre funcionando sem que percebamos. Leonard Mlodinow possui uma escrita fácil e prazerosa, e consegue digerir temas complexos em blocos palatáveis para pessoas que não são da área da neurociência. Já li há um tempo, mas lembro que gostei. Ficou no meu inconsciente.

4) A História Secreta da Criatividade

Ganhei esse de aniversário. Kevin Ashton aborda a história do que conhecemos hoje como criatividade ao longo dos tempos, e como essa habilidade não só é fundamental, como está presente em todas as pessoas. Ele trata ainda de desbancar vários mitos que existem em torno da criatividade e conclama o leitor a ser mais criativo, afinal, todo mundo cria alguma coisa. Leitura fácil e gostosa.

3) Um TOC na Cuca

Já tivemos esse livro aqui em casa, mas ele se perdeu com o tempo, infelizmente. Para nossa alegria, porém, uma pesquisa rápida resolve esse problema. Nessa obra de 1998, Roger von Oech aborda os mitos e bloqueios que adquirimos ao longo da vida e que nos impedem de exercer a criatividade como habilidade. Pude ver a influência desse livro do no curso do Murilo Gun. Além de ter uma leitura tranquila, possui ótimas ilustrações, que foram o que primeiramente me chamou atenção.

2) Hit Makers

Como se faz um hit? Os sucessos da indústria do entretenimento possuem muitas características em comum e algumas coisas peculiares. Dereck Thompson aborda a fórmula das obras intelectuais mais populares com uma escrita suave e fluida, levando o leitor a entender por que algumas obras são tão mais conhecidas e lembradas do que outras. Traz vários insights interessantes a respeito não só da popularidade, como também da forma como as ideias se espalham, e explica por que o termo viralizar talvez não seja o mais adequado para falar dos grandes fenômenos de audiência que supostamente surgiram da noite pro dia.

1) A Coragem de Ser Imperfeito

Quão duro é o fardo de ser perfeito. Nesse livro, Brenée Brown aborda a necessidade sempre presente que as pessoas têm de serem acolhidas, assim como o medo de serem humilhadas e de nunca serem boas o bastante. A obra traz uma mensagem poderosa: ao reconhecer a própria vulnerabilidade, é possível lidar com a própria imperfeição sem que isso signifique vitimismo ou irresponsabilidade. Leitura bastante propícia para os tempos loucos que estamos vivendo.

Coloca aqui nos comentários o que achou desses livros. Aproveita e me fala também se gostou desse tipo de post, porque eu tenho muita coisa pra indicar! Boa leitura.

A boa e a má persistência

julho 28, 2020

Todo mundo reconhece que um pouco de persistência na vida é uma coisa boa. Essa característica é fundamental para que possamos atingir os objetivos que queremos, tendo em vista que sempre haverá obstáculos para qualquer bom intento que almejarmos.
Porém, pode existir persistência ruim? Sim, pode. Minha vó materna dizia que “tudo que é muito é demais”, e assim é com a persistência quando ela se torna uma obsessão. Isso é ruim em qualquer área da vida, mas é especialmente problemático quando envolve outras pessoas.
No livro “Virtudes do Medo”, Gavin de Becker aborda a questão de forma muito clara e objetiva. Quando a pessoa não sabe desistir de um relacionamento, seja ele de qualquer natureza, entra em cena a perseguição. Perseguidor e perseguido entram num processo que se fortalece à medida em que eles interagem.
Como quebrar esse ciclo? Gavin argumenta que, para o perseguido, o jeito mais rápido é também o mais difícil: cessando todo tipo de comunicação com o perseguidor. Isso porque ele fará todo o possível para chamar a atenção da vítima, e para ele toda atenção é bem vinda. Como diz o autor, “se você fala dez vezes que não quer falar com uma pessoa, está falando com ela nove vezes mais do que gostaria”.
Perseguidores se alimentam da atenção de suas vítimas e usarão tudo que puderem para consegui-la, não raramente subindo o tom e pulando das manipulações para os crescendos, e dos crescendos para as ameaças. É preciso muito sangue frio para deixar que eles se afoguem no silêncio e procurem outra pessoa para perseguir, o que não é difícil. Perseguidores sabem tirar proveito das pessoas que não sabem dizer não, e há muita gente assim por aí.
Como qualquer coisa na vida, é importante saber quando desistir, quando deixar para lá. A persistência obsessiva, sem qualquer retribuição, nunca foi sinônimo de afeto, e sim de desequilíbrio. Para situações assim, a arma mais poderosa é o silêncio, ainda que sua operação não seja das mais fáceis. Ainda assim, para o incêndio que é uma perseguição, a melhor solução é cortar o oxigênio da cadeia e obrigar o incendiário a buscar outro lugar para queimar.

Bônus: desistir é humano

Se for pra dar só um sinal de seta, é melhor não dar

julho 25, 2020

Eu já vi algumas vezes no trânsito que alguns motoristas, ao mudarem de direção, dão uma seta apenas. é como se eles acionassem a alavanca que dá o sinal e, logo em seguida, o fizessem de novo. esse comportamento parece mais comum em situações de direção ofensiva, com pessoas apressadas demais para respeitar propriamente as normas civilizadas de condução.
Nesses casos, o sinal de mudança de direção é mera formalidade, já que não cumpre a função de alertar os outros condutores da intenção do monosseta de mudar de direção. melhor dispensar a tarefa.
Essa atitude não só não adianta, como dificulta a vida dos outros condutores. Isso porque um único sinal de seta, além de não ser efetivo, pode ser confundido com um arrependimento, passando a significar o oposto do que foi originalmente concebido para transmitir. Isso para não falar daqueles que já iniciaram a manobra e dão um único sinal já na mudança de direção. Se for para dar seta assim, melhor economizar os relês.
Assim é com a nossa vida. Tem coisas que, se for para fazer mal feito e apenas por praxe, é melhor não se dar ao trabalho. A má vontade fica escancarada e todo mundo percebe a perda de tempo que foi ficar no meio do caminho.
Como resolver isso, então? Usando a seta como ela foi feita para ser utilizada, ora bolas. Os carros mais novos, inclusive, possuem um dispositivo em que basta tocar levemente a alavanca para que se deem três ou cinco sinais. Nem é preciso acioná-la completamnete. E mesmo que o veículo não tenha esse sistema, é perfeitamente possível dirigir e indicar a mudança de direção da forma correta. Afinal, milhões de pessoas fazem isso diariamente.
A forma como conduzimos nossos veículos não necessariamente significa como conduzimos nossas vidas, mas revela a forma como usamos a rua e que valor atribuímos a quem a divide conosco, mesmo que por um instante. Todos os condutores têm poder e dever de construir um trânsito mais pacífico e barato, e todos sofrem as consequências de uma direção descompromissada com os outros.
O trânsito está voltando a ter o volume dos primeiros meses do ano, e com esse aumento voltam os problemas que a gente tinha antes. Das muitas lições não aprendidas nessa quarentena, o uso correto da seta talvez seja uma das mais diminutas, mas não é insignificante. Quando as restrições de movimento acabarem, pode ser que desejemos ter tirado um tempo para pensar na melhoria da condução quando ela ainda não era uma necessidade.

Método Ostra

julho 22, 2020

Já falei aqui recentemente que escrever é difícil, mas não impossível. Assim como qualquer outra coisa, é possível aprender a escrita, nem que seja de forma desajeitada e improvisada.

Por isso, talvez o método mais realista para produção de textos e, possivelmente, de qualquer obra intelectual, seja o “Ostra”, diminutivo carinhoso para “ostranco e barranco”. Pode acreditar, já escrevi duas monografias, um artigo e um blog de 14 anos assim.

Sim, esse incrível hack de produtividade é baseado em uma piada infame, que por sua vez é baseada numa expressão popular, que por sua vez é baseada na sabedoria anônima dos tempos remotos. A expressão “aos trancos e barrancos” denota dificuldade, mas também progresso, traz em si a ideia de continuar caminhando, nem que seja tropeçando e caindo. E é exatamente assim que se constrói a habilidade de enfileirar letras de uma forma organizada e capaz de transmitir uma mensagem.

O método Ostra não promete resultado rápido nem fácil. Ao contrário, a proposta é permanecer focado todos os dias, mesmo quando a insegurança chega, mesmo quando parece que as coisas não estão melhorando, mesmo em meio à frustração. Assim como em outras habilidades, nem sempre o processo de lapidação é evidente, mas está ali, polindo pontas ásperas e trazendo melhorias que só serão notadas pelos outros.

O nome bem humorado é uma forma contundente que encontrei de me lembrar que o aprendizado recompensa mais a consistência na prática do que a genialidade na ideia. De fato, muito do que existe no mundo não foi criado por gênios, mas por pessoas ordinárias, que começaram algum ofício com dificuldade e foram aprendendo o necessário ao longo do caminho.

Não sei você, mas eu gostaria que esse processo fosse mais tranquilo, que houvesse uma certeza e um caminho liso e reto pelo qual eu pudesse caminhar e evoluir. Porém, não é assim desde o princípio do mundo, e vai continuar sem ser.

Se a própria Bíblia usa a figura de um caminho difícil e apertado para a conquista da salvação por meio de Cristo, o que dizer das vitórias ordinárias que dependem apenas do nosso esforço, que é intenso, mas limitado? Não tem outro jeito: o caminho da destreza passa pelo desajeitamento. Aos trancos e barrancos vamos em frente, aprendendo pelo caminho e evoluindo lentamente.

Bônus: origem da expressão “aos trancos e barrancos” (item 1).

Não é a mesma coisa, mas também é muito melhor

julho 18, 2020

Por causa da pandemia, o isolamento social se impôs de maneira abrupta. Apesar disso, conseguimos nos adaptar rapidamente a essa realidade, ao menos no aspecto do serviço burocrático. O trabalho remoto tornou-se a norma, e até quem torcia o nariz para ele precisou ceder. De fato, os resultados até o momento mostram que muito pode ser feito a distância, mas não tudo.
O trabalho virtual preserva boa parte do aspecto funcional de uma rotina de escritório. É possível criar documentos, tramitar processos, assinar e autenticar papeis digitalmente. Porém, a dimensão humana das pessoas foi duramente afetada. Por humana me refiro à necessidade de encontros físicos e de afeto, que não podem ser supridas por uma tela, por mais que os serviços de streaming insistam no contrário.
Claro, é possível fazer uma festa no Zoom, juntar os carros e tentar adaptar formatos à nova realidade, mas sabemos que não é a mesma coisa. A gente pode discutir uma festa a distância e planejar os mínimos detalhes, mas a ela só acontece quando as pessoas se juntam e celebram.
É possível encorajar e fortalecer pessoas pela internet, mas essa tarefa é muito mais fácil com um abraço, um aperto de mão e um cumprimento sincero olhando nos olhos. São coisas que não só nos animam, como metaforicamente batem a poeira do nosso coração e nos ajudam a levantar o corpo e seguir na caminhada.
Agora, quão melhor não é participar de uma reunião virtual em vez de física. Com uma boa conexão, é possível tratar todos os aspectos necessários e não perder tempo com o deslocamento. De fato, os encontros virtuais cujo único propósito seja o trabalho ainda têm o benefício de poupar o tempo que os envolvidos gastariam em trânsito.
Quem sabe a gente possa sair dessa pandemia mal-combatida com esse aprendizado. Encontros virtuais são muito bons para o trabalho e às vezes até superam as interações físicas do batente burocrático, mas nunca substituirão o ao vivo quando o assunto é afeto, saudade e diversão.

Decidi sair do Twitter (e não senti saudade)

julho 4, 2020

Se tem uma rede social que tem todo o chorume da internet é o Twitter. É lá que os memes e as tretas começam, e é lá que a paciência e a sanidade vão para morrer.

O Twitter é um lugar interessante, mas também muito tóxico. Para ser um usuário ativo lá, basta digitar um punhado de palavras, que nem podem ser muitas, e pronto. Isso traz a liberdade de expressar o que dá na telha e também a dor de cabeça de ler o que os outros escrevem sem pensar.

Eu usava o Twitter como uma fonte de informação, mas, pelo menos pra mim, ele não serviu bem para essa tarefa. Ao invés disso, ele aumentou o ruído que eu já queria eliminar e trouxe preocupações que eu não esperava ter.

Em contrapartida, ele também trouxe muita coisa boa. Fui edificado por vários pastores que sigo e por vários tuítes de irmãos crentes que usam a plataforma para construção e para pensamento crítico. Contudo, para mim as coisas boas não compensam as ruins. Para cada coisa útil que encontrava vinham cem inúteis. Não seria um problema se elas não me afetassem, mas a verdade é que basta um vídeo violento ou uma discussão regada a agressão numa rede social para arruinar uma parte do seu dia, mesmo que você não seja parte disso.

Foi então que finalmente comecei a amadurecer a ideia de sair, a pesar os benefícios e prejuízos que tinha com a plataforma. Embora tenha dificuldade para desistir de coisas em que investi tempo, como parar livros e jogos pela metade, não precisei pensar muito. Esse é o tipo de decisão que se toma em quinze segundos, antes mesmo de construir a frase ou de estruturar o pensamento.

No fim do dia, não só a rotina está mais leve como o tempo também. Colhi benefícios inesperados dessa exclusão, como pensar mais criticamente minha presença nas redes sociais e imaginar outras possibilidades de utilização delas.

A pandemia ainda vai longe, mas as mudanças que estou fazendo na minha vida já estão aqui e são palpáveis. Pensar o uso do tempo de maneira mais relaxada, sem precisar me deslocar tanto, me fez ver que ainda há muitos furos na rotina, muitas oportunidades pra perder esse bem tão precioso. Não falo aqui de atingir produtividade absoluta, mas de usar o tempo de maneira presente, sentido, vendo, pensando e digerindo a informação, não aceitando tudo que eu mesmo lanço na frente dos meus olhos.

Mais do que nunca, senti a necessidade de curar tanto o ambiente físico quanto o virtual, livrando-me do que eu não pedi para ver e que me é forçosamente empurrado. Sim, meu perfil continua lá e meus posts saem num tuíte também, mas o aplicativo já não existe no meu celular. Aos poucos o Twitter se torna irrelevante para mim, ainda que não possa ser completamente ignorado.

Jejum de celular

junho 27, 2020

 

Com a chegada da pandemia, muita coisa mudou, mas nada tão radical quanto a rotina do domingo aqui em casa. Como estamos todos envolvidos no serviço da igreja, foi uma grande mudança de repente não ter de fazer escalas e se preocupar com os arranjos que as reuniões presenciais ordinárias demandavam.

Os cultos passaram a ser transmitidos pelo YouTube e boa parte do que antes era um serviço de recepção e controle não existe mais. Contudo, a Igreja Presbiteriana do Brasil, muito antes de alguns políticos aproveitadores, lançou uma campanha de jejum aos domingos, para que pudéssemos orar a Deus pela adversidade que agora tão de perto nos assola.

Começamos então o jejum da comida, mantendo a água. Nunca havia passado por essa experiência, exceto quando precisava tirar sangue. Pensava que seria muito sofrido, mas não é. O jejum traz benefícios fisiológicos e espirituais que podem ser explicados, mas que só quem faz entende. Existe algo de alentador em não precisar comer por pelo menos 12 horas.

Uma vez estabelecidas as práticas do jejum, do culto transmitido e da oração, resolvi adicionar mais um elemento à privação: a tecnologia. Foi e continua sendo a parte mais difícil. Sinto mais falta do telefone que do café da manhã, e olho muito mais pra minha mesa do que pra geladeira.

Mas uma coisa é fato: consigo descansar. O jejum de comida oferece não somente a privação, mas também o descanso da mente. Não precisamos nos preocupar com o que comer durante um período do dia. Da mesma forma, o jejum de celular traz a possibilidade de descansar o coração, sem preocupação, sem telefone grudado no bolso ou ao alcance da mão.

Assim, posso ver o tempo passar. Posso prestar atenção ao pensamento e só contemplar a torrente de memórias e associações que ficam passando sem parar. O jejum solta as correntes a que eu me prendo a semana toda, com medo de que o trem da vida passe e me deixe pra trás.

Por metade do dia não preciso me preocupar com nenhuma notificação, exceto as de emergência. Dadas as circunstâncias e os papeis que assumimos, o celular fica no modo “não perturbe”, não desligado. Assim, se o telefone nunca toca, posso ficar tranquilo sabendo que tudo está em paz e que não sou necessário naquele momento. Posso não fazer nada.

É algo, inclusive, que há um tempo eu achava desperdício. Com o amadurecimento, porém, percebi que é um grande privilégio. Descobri também que, depois do tédio, a maior tentação é dormir, e essa é complicada. Porém, à medida que fui me acostumando, pude ver a beleza da contemplação, que inevitavelmente leva à oração. E tudo bem também se rolar um cochilo à tarde: é domingo.

Esse tipo de jejum também é uma oportunidade de derrubar o ídolo da tecnologia. Tenho a chance de esclarecer as coisas e dizer realmente quem é que manda. A falta que sinto do celular e do computador nesse tempo é um lembrete de que são apenas ferramentas, nada mais, que devem ser colocadas em seu devido lugar de tempos em tempos, tanto no quarto quanto no coração.

A dependência que crio de tudo que não é Deus nem sempre é facilmente identificável. O coração é uma fábrica de ídolos, instável e movediço, e por isso precisamos retornar ao Senhor para que ele acerte nossos ponteiros e nos faça voltar ao caminho e ao ritmo que fomos chamados a seguir.

Não sei até quando o jejum continua, mas já tirei muitas valiosas lições dessa experiência, coisas que provavelmente nunca colocaria em prática se a vida só seguisse o curso natural. Em tempos de adversidade, os cuidados com o corpo e com o espírito andam juntos e, às vezes, tomam a forma de privação para mostrar que há descanso na limitação.

Mesmo quando os problemas parecem não ter solução, podemos descansar em Deus, sabendo que Ele cuida de tudo e que, por Sua providência, trará a saída no tempo certo. Chegada a bonança, poderemos celebrar com uma refeição farta e, pra quem quiser, um post nas redes sociais.

Caí de uma barra de porta

junho 18, 2020

Essa é mais uma das situações que poderiam acontecer mesmo sem uma pandemia mal combatida, mas que com a presença dela ficam mais comuns. Acidentes domésticos fruto de exercícios físicos nunca foram novidade na internet, mas ficaram muito mais próximos numa realidade em que sair de casa para praticá-los tornou-se uma tarefa enfadonha, quando não difícil.

Resumo: eu segurei a barra, mas ela não me segurou. Rolou uma quebra de confiança, e graças a Deus foi só da confiança mesmo.

Eu já tinha essa barra de porta há um tempo. Ela ficava nos batentes do banheiro e servia mais para pendurar cabides e roupas do que para exercício. Porém os tempos mudaram para todo mundo e, ficando já sem opção para treinos de costas indoor, voltei a enxergar o potencial original do equipamento.

É uma barra simples, com pontas de borracha e um corpo de metal rosqueável. Você gira no sentido horário para que ela fique maior e comprima as pontas contra os batentes, e gira no sentido anti-horário para que ela fique menor e afrouxe a pressão. Como sou esquecido, tratei de deixar essas instruções resumidamente desenhadas em uma das pontas.

Num tempo em que se lavavam menos as mãos e em que a preocupação com microorganismos predadores não era tão grande, criei o nada genial desafio de ter de fazer uma barra tanto para entrar no banheiro quanto para sair dele. “Buy in” e “buy out”, como dizem no Crossfit. Não foi bom, mas consegui manter por um período. Depois houve a mudança e acabei esquecendo.

Tentei reimplantar o desafio com a pandemia, mas as preocupações com a higiene não deixaram. Mesmo assim, ainda poderia utilizá-la para, quem diria, fazer barras num momento do dia, e assim fiz.

Eu estava na fase excêntrica. Descia o corpo devagar, com as pernas dobradas à frente, quando, sem nenhum sinal, a barra escorregou nos cantos e nos estatelamos no chão. Meus pés tocaram o chão primeiro, mas foi o bumbum que recebeu quase toda a carga.

Foi bem parecido com a imagem que ilustra esse post e, assim como o infeliz rapaz do registro, não consegui me levantar imediatamente. Naquele pequeno instante pós impacto, uma multidão de pensamentos atravessou minha cabeça. Será que havia quebrado o cóccix? Será que conseguia andar? Por que aquele tombo besta estava acontecendo comigo?

A dor foi chegando e, embora real, não era insuportável. Passei a mexer as pernas devagar e, juntando as duas evidências, concluí que não havia quebrado nada. A barra também estava inteira e não caiu em cima de mim. Os batentes, embora marcados com a borracha, também permaneceram inteiros. Por todos os ângulos, esse foi apenas um pequeno acidente doméstico.

Fiquei com os fundos doloridos por uns dias, mas já consigo ver o grande livramento que aconteceu. Meus amigos disseram que, se tivesse caído de joelhos, o estrago teria sido muito maior. Havia uma centena de maneiras de os danos serem muito maiores. Foi um infortúnio mínimo que tinha potencial para ser muito pior, e nisso vi o cuidado de Deus com a minha vida.

Creio que todos nós vivemos episódios assim. Deus nos dá tanto livramento todos os dias que fica difícil não ver o agir dEle por trás de tudo que acontece. Porém, mesmo que eu tivesse me quebrado todo ou morrido nessa ocasião, ainda assim Ele teria cuidado de mim com muito amor e carinho em todo o tempo e me dado muito mais do que mereci. Posso não ter ficado mais forte na quarta-feira passada, mas com certeza fiquei muito mais grato.